quinta-feira, 23 de julho de 2009

Todas as horas...

Engraçado... Saí do cinema e fui pensando até em casa como é bom ver-se de fora. É isso mesmo: Ver-se de fora. Eu estava lá sentada e quieta todo o filme me assistindo na tela. Eu era as quatro personagens e as quatro eram apenas eu. Uma mulher de trinta e poucos anos, um pouco culta, um pouco inteligente, um pouco louca, um pouco eficiente. Mas uma pessoa ao contrário do que pensava, igual a muitas. Fora do seu lugar, fora da sua hora. Querem o seu espaço, mas não sabem bem ao certo qual, ou onde achar. Não é fácil se viver assim. Mas ainda mais difícil é conviver com as pessoas, sendo assim. Mas só nós/elas, sabemos como é duro... O mais duro é quando você vê o mundo e se sente sozinha. É chegar em casa mesmo que alguém esteja esperando e continuar sozinha. É como se esperasse as horas passar. Assistindo o relógio que num segundo faz tic no seguinte faz tac, até chegar a hora. Hora dos hábitos, dos costumes diários. Horas para mudar, horas para fugir, para voltar, para chorar e horas para ser feliz. Horas... Eu só penso nelas dia e noite, vagando, vagando, pela madrugada toda até que as horas acabem. Horas de angústia, horas de tranqüilidade. Horas de agonia, aflição, horas de fantasia. Eu espero, e nesse esperar sem fim, vejo minha vida passando por entre meus dedos como se eu separasse as gemas das claras dos ovos. Rápida, mas suavemente. Sem ferir as gemas e sem desperdiçar as claras. Minha vida é tal qual a de uma dona de casa que não sabe cozinhar. Oh, que coisa horrível! Mas é verdade. Como sobreviver sem conseguir fazer o básico para ficar em pé na vida, que é o ato de cozinhar? Fritar um ovo ao menos, sem se queimar. É assim que estou; fritando ovos e me queimando. As vezes penso em desistir de comer e fico por bom tempo longe do fogão, mas a fome logo volta e é preciso comer algo. Mas o que será esse algo pra minha alma, meu espírito? Ou então, o que será para meu estômago??? (risos) Não sei... Não sei mais o quê ou como pensar. Já nem me lembro se ainda penso ou se um dia o fiz. Não! Eu já pensei. Já sonhei, já tracei muitas linhas retas, mas foi nas curvas que eu mais capotei. Uma corrida sem adversário; Eu fazia o papel dos dois. Um deles teria que vencer. E eu esperava ser o vencedor sempre. Mas agora sei que não foi bem assim. Perdi. E sendo eu mesma a perdedora e a vencedora, perdi novamente. Perdi porque neguei que precisava do outro. O outro lado, a outra metade, os minutos das horas ao invés de contar apenas os segundos. Não percebi que nesse intervalo de tempo, havia uma pessoa que precisava de um bote salva vidas. De uma corda jogada na água. De uma mão estendida e um sorriso mesmo que não revelado. Me perdi nessas horas. Me perdi porque depois das horas só os dias passavam sem parar e minha vida torneira abaixo também escoava sem parar. Nasci, cresci, brinquei, cresci, estudei, cresci, namorei, parei, me casei, cansei. Meu relógio parou nas horas adolescentes e juvenis. Meu relógio já não conta mais minutos. Apenas, segundos e horas. Horas outras, não aquelas horas. As horas de hoje são mais profundas, mais dolorosas, mais pesadas. Hoje tudo é mais doído, tudo é mais penoso. Os dias são chumbo... Difícil é perceber que já se perdeu a hora pelo caminho afora. Já se perdeu do dia pelas florestas da vida. Com suas matas cerradas e suas árvores copadas. Não passa sol, não bate luz. Aqui é tão frio. Tão frio. Pedras, essas me dão arrepios. Pedras limosas, frias, mal cheirosas. Se colocam a sua frente, como que com um propósito explícito. Te quebram o pé, te lanham a alma, te invadem a calma, e nada mais há para se fazer a não ser jogá-las para fora, atirá-las de volta ao lago escuro. Dar-lhes nova chance de quebrar outros pés em novas florestas. Chances grandes por sinal. Um sinal! Resolvi marcar para que eu mesma veja um sinal. Um sinal brilhante, mas de luz fraca. Um sinal tal como eu, meio escondido, meio atirado. Um sinal que apenas eu visse. Um desenho, uma flor, um castelo encantado, um cinema, um amor, um beijo apaixonado... Algo que eu soubesse que era o sinal assim que o visse. Eu saberia, apesar de não lhe ter dado forma. Eu saberia. Mas como saber de algo que não se conhece? Como conhecer algo se de qualquer algo você foge? É engraçado mesmo... Realmente. Mas não interessa, eu hei de achar meu sinal na hora em que ele aparecer. Na verdade acho que já o vi. Acho que já posso dar-lhe forma e nome, mas não vou fazê-lo agora. Não agora. Depois... De algumas horas... Ou então ficará assim, guardado em minha memória e lá sempre estará protegido até mesmo dele próprio, ou de mim mesma. Apesar de saber o sinal, ainda não estou pronta para ele. Preciso de mais tempo. Preciso de mais mágoa, mais luta na vida para dar valor as coisas vividas. As coisas perdidas e mais ainda, as coisas pedidas. Eu preciso aprender a descer. A olhar para o chão. A pisar no chão sem machucar a terra que embaixo abriga uma minhoca ou formiga. Que embaixo prende raízes de grandes obras divinas. Eu preciso deixar o sol entrar devagar, mas sem bater, em minha vida. Minha alma, meu corpo... Eu preciso aprender a abrir um presente e ficar alegre por isso, e não ficar alegre pelo produto em si. Eu preciso... Aprender. É difícil, acreditem, é bem difícil eu sei. Mas eu preciso muito. Meus olhos doem, minha cabeça tonteia... Por um momento não sei bem quem eu fui nesse último instante. Isso quer dizer, que também posso não me dar conta disso no seguinte. A idade? Talvez tenha influenciado alguma coisa, ou apenas dado a medida certa. Pode ser que tenha me dito: Se não fez, já passou da hora. Hora...Cá está ela outra vez! Ora bolas! O tempo pára a cada vez que me despeço delas. A cada vez que me liberto delas. Vou sair um pouco. Caminhar pela praia deserta e tentar chegar a um lugar. Mas um único lugar, dentro dos vários que existem em minha cabeça. Mesmo estando ela fora de lugar, há muitos dentro dela. Meu medo é que esse lugar seja um pequenino e obscuro espaço. Mas o que estou dizendo?!! Medo? Não posso ter medo. Medo é uma hipocrisia. Você tem medo do desconhecido, então descubra-o. Torne-o conhecido e assim não terá problemas com o medo. Ai, deixa que eu volte meus pensamentos de novo para o mar. Ah sim, o mar... Sob um céu azul, o azul do mar persegue o infinito para poder alcançar o sol, dar um beijo na lua... As ondas se formam brancas imitando as nuvens que vagam no mar celeste. Não sei se estou me fazendo compreender, mas sinto que preciso atirar para fora as pedras que estão no fundo do meu peito, escondidas num lago escuro e profundo dentro do meu peito. Da minha cabeça. Da minha memória. Mas são tantas que nem sei se terei forças até que a última se tenha ido. Eu sei que elas não fizeram por mal. É natural. Mas elas também sabem que me pesam, me doem... Mas vendo o mar, só lembro do verbo amar. E é somente por amor que vivemos. Não é por mais nada senão o amor. Essa acridoce palavra. Essa venenosa palavra que tem o antídoto nela própria embutida. Não sei se é o excesso ou a falta de amor que nos mata. Acho que bom, seria termos apenas um na vida e para a vida toda. Mas não consigo. Não consigo viver uma vida toda numa só vida. Preciso ser muitas. Preciso ter muitas outras vidas numa só. Preciso experimentar como um cientista à uma nova fórmula a fórmula ideal de vida. Amei todas que comigo viveram. Amarei as próximas que talvez nem venham mais. Mas amor preciso por toda a vida. Vários. Luxo? Que luxo? Dói mais morrer de muitos amores do que de um só à vida atado. Se você perde ou ganha mil vezes, mil vezes terá de passar por essa experiência. Mas se somente uma vez jogou e nessa vez perdeu ou ganhou, que vai lhe pesar tanto a experiência??? Quase nada. Um grão de areia, que não cabe mais no longo deserto. O vento espalha poeira pelo ar todo o tempo... Não teria problema ajudar. Mas o que estou falando? Estou na praia vendo o sol se pôr, correndo como sempre para não atrasar a aurora de outras terras, dar vida a outras como a minha. Devolver-lhes as horas... Mas ainda bem que a lua sempre faz a oposição e assim, como meu ponto de referência recomeço a contagem das horas infindas que ainda faltam para acabar o dia. Insaciável dia. Sempre apertando minha cabeça e espremendo como se fosse um limão azedo e sem suco. Mas ainda que amargando o gosto ácido eu tenha que contar-lhe os dramas, há de chegar a hora que essa tortura acabe. A lua sobre o agora negro azul do mar, que mais uma vez se espelha no céu, vem me abençoar. Vem me equilibrar. Para que o dia seguinte eu torne a suportar como facas na face, navalhas afiadas que vão desenhando rios de sangue por onde passam. Continuo andando agora bem rápido pela areia. Sinto o vento, o cheiro da maresia. Sinto a água molhando meus pés, sinto a leve bruma chegar. Maria-farinha fazendo seu castelo na areia de conchas e grãos brilhantes. Tudo reluz. Tudo brilha tanto que dói ver tanta luz. O sol já havia se ido, então por que tanta luz? Era a lua e sua asa de prata. Sua onda gigante de prata e romantismo chegava para assaltar a alma das mulheres já encantadas. E apanhadas pelas asas do amor. Eu sabia o que ela queria me dizer. Queria me fazer ter uma outra vida. Outra pedra em meu peito. Outra paixão doentia e proibida. Não, não quero mais conversas com a lua. Vou andar para casa devagar e sem olhar o céu azul estrelado. Me tranco em casa. Fujo de tudo que possa me levar a loucura de seguir o que manda a lua. Chega! Vou me sentar aqui em meu banquinho e escrever. Escrever todas as minhas angústias e covardias. Todas as minhas perdidas fantasias, e enterrar a possibilidade de novas vidas escondidas. Agora não vou deixar que me escondam. Eu mesma farei isso. Eu vou me esconder aqui dentro no escuro. Do dourado do sol e da prateada lua. Dos sons da rua, dos cheiros das panelas da vizinha do outro lado da rua. É aqui que vou ficar. É aqui que vou montar todas as peças desse enorme, gigante quebra-cabeças. Tem muito mais de mil peças esse brinquedo. Têm anos de horas e horas de espera e de nobreza. Achando bonito a vida vivida sofrida por alguém. Eu não quero ser alguém se isso me faz precisar de outro alguém. Não. Não quero mais. Quero exorcizar meus fantasmas. Exorcizar meu espírito. Voltar a ser apenas um. Um ser. Não quero mais ser vários. Estou cansada. Cansada de fingir. Cansada de chorar de me abraçar aos travesseiros mesmo tendo ao lado alguém para abraçar. Não quero mais me apavorar com a possibilidade de não mais amar. Eu decidi que não amo mais. E isso me basta. Ou me bastará. Tenho certeza. Preciso de água. Água fria e fresca. Água para beber e me molhar. Está quente aqui dentro. Mas não posso abrir as janelas, porque a lua vai tentar entrar. Não quero que ela me veja mais. Nosso caso acabou. Ela não precisa mais me dar emoções ardentes para que eu escreva uma poesia e dê a primeira que passar com um leve brilho no olhar. Pedindo para que se apaixone por mim??? Será??? Não sei. Admito. Mas era assim que acontecia. Batia o olho e lá vinha a nova eleita da minha vida. E nisso, foram-se todas as vidas. Só uma. Só uma vida agora eu peço. Porque será que só a resposta me dá a lua?? Porque não o sol? A brisa? A vizinha? A rua??? Porque sempre tem que ser a lua??? Bom, agora não interessa mais. Acho que vou tomar um chá. Chá de cadeira e de camomila para acalmar. Tenho que terminar de escrever antes de me engasgar com as pedras que são vomitadas por mim pelo chão da casa. Pelo chão da sala de estar. Queria chegar ao quarto e tentar descansar. Sem falar. Sem pensar. Só descansar. Dormir... Coisa tão estimada por quem não consegue uma boa hora de sono... Se juntasse numa só noite, as noites todas que passei em claro, andando, amando, escrevendo, sorrindo, cantando, chorando e escutando... Se juntasse todas daria uma eternidade de horas. Daria uma verdadeira morte nas horas. Ai como eu queria... Como eu queria uma boa noite de sono. Deitar-me cedo sem pensar no futuro e levantar com o dia nascendo, me espreguiçando e sorrindo encantada com a magia do amanhecer de um dia. Os pássaros cantando e voando para o mar. As pessoas levantando e começando mais um dia de correria nessa vida corrida da gente hoje em dia. Mas não consigo. Tudo me dói. Tudo. Meu corpo inteiro... Minhas costas, ai, as minhas costas, como são cansadas e encurvadas de tanto peso pra carregar. Calos nas mãos, das canetas, dos cigarros dos outros, apagados em minhas mãos. Das pedras todas que ajeitei uma a uma em meu grande e louco peito. De minha grande e louca cabeça. De minhas vidas. Vidas alheias, vidas cansadas, paradas por mim em algum lugar. Deveria ter pena de morte para tudo o que fiz. Gastei as palavras. Gastei as noitadas agarrada na vida de alguém e depois deixei que esse alguém seguisse sozinho na vida desamparado por mim. Desamparado por qualquer um. Nunca mais achariam um sequer. Um minuto na vida de uma pessoa qualquer. Já tinham provado outra vida. Não poderiam ficar só com suas vidas, ao lado de outras vidas. Tinham sido invadidas por mim. Tinham sido violadas... suas mentes, suas pernas e suas lentes com as quais olhavam a vida. Naqueles momentos era eu quem olhava por elas. Como notas vacilantes dentro de uma rica melodia... E eu as deixava ali, sentadas, mãos na face, olhos inchados, vermelhos, marcados... Eu lhes sugava a fugaz linha, sugava a essência da vida, sugava o amor... Roubava-lhes um pouco de tudo a cada dia. Um monstro? Quem dera... Uma pessoa comum... Isso é que dá medo, se algum eu ainda tivesse. Pessoas comuns que se aproximam e como heras vão se enraizando em suas delgadas linhas da vida. Vou me deitar e deixar nas mãos do destino o que será feito das minhas tortuosas horas seguintes. Sei que dormir não dormiria. Morfeu me negou isso ainda no berço, quando nem bem sabia o que seria essa vida. Destino... Que destino...! Os tambores tocam, começou o carnaval. O povo todo nas ruas sambando e cantando felizes, tão felizes que chego a ficar triste. Inveja? Talvez, um pouco. Saudade? Muita! Teve um tempo em que fui assim... Feliz! Sorriso aberto, pé no chão, torcendo pela escola do meu coração ou a próxima a passar do portão. Mas agora só quero o silêncio e esse barulho... Não estou agüentando tanta dor que ele me causa. Preciso dormir. Preciso descansar. Ouço minha cabeça zumbir, meu corpo todo tremer. Parece que têm vida própria. De repente a campainha toca... É a vizinha do outro lado da rua... Uma caneca de chá e um bom papo pra começar a manhã de um novo dia, de uma nova jornada, de novas horas vividas... E mais poesias adormecidas...
LMPS

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